Fico meio transtornada quando penso nessa coisa complexa a
que chamam saudade. Ás vezes pareço aquela garotinha de uns anos atrás que
ficava na casa dos avós enquanto os pais iam viajar e se sentia tão vulnerável,
tão perdida que ia pra dentro de um quarto chorar baixinho. Nessa época tudo
parece grande. O salto alto da nossa mãe, a estante de livros da sala, a escada
pra subir até o último andar do apartamento, a saudade, que às vezes nem
precisamos conhecer a palavra para saber o que ela significa... Nos sentimos
tão pequenos nesse mundo infinito o qual parece que nunca cresceremos pra ver
lá de cima. E cá entre nós, tem horas que dá vontade de voltar pra aquela
esquina mais antiga do passado, onde papai cobria nossos olhos com a mão na
hora daquela cena quente da novela das oito.
Mas então a gente cresce. E é um perigo se você ainda tem
seus olhos vendados por uma mão invisível que nem é mais a do seu pai. O mundo
vai mostrando sua cara feia à medida que o tempo passa, as dificuldades
aparecem, e não se enxerga mais o Maranhão como um lugarzinho em forma de
coração no Brasil (meu primo me ensinou a identificar meu estado assim, nunca
me esqueço) e ele passa a ser uma terra longínqua onde você sonha em voltar algum
dia igual poeta no exílio. Agora ele não é apenas formato de coração, bem como
está no seu, porque quando se cresce os significados das coisas mudam. E ah,
lembra do cubinho mágico da infância, aquele que você morria de ódio porque não
conseguia ajeitar as cores no lugar certo? Quando se cresce, ele não apenas é
um cubinho mágico, mas pode ser comparado com a vida, você arruma de um lado,
bagunça o outro.
Em suma, há dias em que você não dá a mínima, até gosta de
estar “exilado”, outros, a vontade é de jogar aquela montanha de livros a
anotações no chão gritar “Dane-se!” e ir buscar consolo assistindo O rei leão
entre sua mãe e seu pai. Lá em casa.
O que me intriga mais é o jeito que a as coisas têm de estarem
sempre se renovando, prioridades novas aparecem. O que leva alguém a deixar de
chorar no quarto baixinho por causa da falta dos pais e chorar porque sente
falta de alguém mais (no meu caso choro porque vou mal em toda prova de exatas
até hoje, certo?) e depois algo fantástico acontece e você passa a achar tudo
bobagem, inclusive os dramas infantis de até bem pouco tempo atrás. Tem coisas
que são divertidíssimas de relembrar, mas dependendo da gravidade, você sente é
vergonha. Parece que nem sou a mesma pessoa e (graças a Deus) nem me pareço com
ela. Gosto de lembrar dessa pessoa como alguém que contribuiu para o meu atual
desenvolvimento que resulta um equilíbrio, onde eu hoje sou F e meu eu interior
é Fat.
Nerdizisses fajutas a parte, o que anda me incomodando pra
valer é que ainda existem pessoas que não encontraram seu equilíbrio. Pessoas
de bem daqui, pertinho de mim. Explicaria meu desconforto a frase brega “longe
dos olhos longe do coração”, mas eu prefiro a ideia de que que é possível amar
muito alguém, mas o tamanho do seu amor por uma pessoa nunca será páreo para o
tamanho da saudade que você vai sentir dela. Tá, eu tirei esse trecho de O Teorema de Katherine que foi mais um
livro que eu comecei a ler e não terminei pela falta de tempo. O que eu quero
dizer é que essa foi mais uma frase que ficou na minha cabeça e eu acabei
decorando, como sempre faço, é meio que mecânico (queria que fosse desse jeito
com as fórmulas de física também), assim como o próprio sentimento de estar
nostálgico ao mesmo que se está satisfeito longe de todo aquele monte de
passado.
E o alívio? Nada como a distância para nos injetar uma boa
dose de liberdade na veia. Parece papo furado dizer que vai pra longe, começar
uma vida nova e iniciar do zero, mas não é. Quando eu penso que poderia sentir
falta, eu lembro o quanto eu perdi por me importar com coisas pequenas que nada
me acrescentaram, porque sim, há uma imensidão dessas coisas pequenas em que
não se pode evitar e tudo que se pode fazer é conviver com elas ou então, você
pode não dar importância a essas pequenezas e tocar o barco.
Confesso que o que mais doeu nesse processo todo de
metamorfose ambulante – Raul me entenderia – foi a minha trágica, não menos
necessária, perda de toda a pasta de Meus Documentos do meu falecido notebook.
Fiquei uma semana cantando meu computador
apagou minha memória, meus textos da madrugada, tudo que eu já salvei e o tanto
que eu vou salvar das conversas sem pressa das mais bonitas mentiras... Porque
foi como se uns 5 anos da minha vida fossem, literalmente, apagados. Estou
preferindo pensar que isso foi um sinal para eu realmente deixar pra lá, que já
estava na hora mesmo, porque esse foi o jeito que o destino achou de mandar pra
fogueira todos meus registros de coisas que não existem mais. E todos deveriam
achar um jeito de mandar pra fogueira o que não serve mais também, é algo mais
como se livrar do que propriamente perder.
Então a gente cresce. Eu já falei isso lá em cima, mas vale
ressaltar. A gente vira gente grande e continua se sentindo pequeno. Percebe-se
que nossas dificuldades e problemas são proporcionais ao nosso tamanho e eu
diria que isso daria até uma equação, mas eu não sou nenhum Colin da vida,
então me contento com verdades não lógicas. A gente cresce e continua com
saudade. Saudade do cheiro do almoço todo dia depois da escola, saudade de
alguns amigos do colegial – a que eu posso contar nos dedos de uma mão –
saudade de pisar na grama molhada do quintal de casa, do latido dos cães de
manhã cedo, das visitas de fim de tarde dos avós, do suco de maracujá no café
da manhã, quando este não foi substituído pelo ruim porém necessário café.
Saudade da feirinha de quinta-feira na praça a uma esquina de distância, de
ficar à toa com as pessoas certas, de não precisar de telefone pra falar com a família. Parece que tudo é mais bonito quando não se
pertence mais a essa realidade. É, estou começando a gostar desse negócio de
sentir saudade.