Entre essas paredes, sei que em cada cômodo desse apartamento já cansou de presenciar discursos mal narrados de uma apostadora sem fé, de alguém que por estupidez ou medo, deixa passar as milhares de possibilidades de felicidade que existem e se deixa enganar por um segundo de atenção. Quase dezessete anos e ainda não sei pra que rumo levar minha vida. Era fácil quando não era real, era simples quando não estava acontecendo. Tantos planos em pendente, tantos sonhos guardados e eu só aqui de cara pra essa porta que o mundo fechou na minha cara. É preciso recomeçar de algum lugar, é preciso de um ponto de partida, é preciso olhar mais a frente pra enxergar tudo que me espera.
Tem muita coisa que eu não aprendi e que, cá entre nós, têm coisas que nem eu faço mais questão de saber. Remexer em papeis passados, em fotos de fundo de gaveta me leva sempre ao mesmo lugar: um sofá velho com uma garrafa de wisky que alguém deixou aí e esqueceu de levar. Depois, quem sabe, uma volta noturna nas ruas lamacentas com gente sentada nas calçadas chorando por expectativas quebradas de um amor que não se cumpriu e fotografar na mente um chão transbordado de luxúria e cigarro. Comecei a gostar desses ambientes difamados. Achei uma solução não tão boa, diriam, mas eficiente. Não, meu senhor, não virei garota do mundo, tampouco uma revoltada sem causa. Extasiei, acho. Se não pela ausência, foi pelo excesso de dureza que sempre me faltou.
Quando sinto que a fome de certos gostos antigos passa, volto aos trilhos. Volto a sorrir e tratar os outros com uma mansidão incomum, um pouco energética demais, talvez, mas funciona na maioria das vezes, pelo menos aquela necessidade de manter longe o que mata minha solidão se foi. Se tem algo que eu quero manter distância agora é daquela pessoa que estava me acabando aos poucos, aquela velha intrusa que se apossou das minhas tristezas, dos meus amigos, dos meus amores, de mim. Aquela que me fez perder a cabeça por males desnecessários, que me fez apagar as luzes do mundo por um único brilho falso. Se existisse a possibilidade de escolha: continuar vivendo dentro de uma mentira ou deixar pra trás e ser feliz pra sempre?



