sábado, 28 de abril de 2012

A terceira pessoa

Ela é sua colega de classe, e dependendo pra onde você olha, ela é em parte uma total desconhecida, personagem principal da mais incrível história do seu verão passado. Ela é amante disfarçada de amiga e pode ser o contrário também. Um medo comum em que se tem ao conhecer essa pequena criatura imprevisível e ao mesmo tempo encantadoramente perdida é de que ela saia caminhando entre as pessoas a cada piscar de olhos, a cada mera distração. Ela some. Por que ela insiste em omitir sua vontade? Por que não se cansa de dançar no ritmo da música se nem ela gosta daquele som enjoativo que amolece os sentidos? Espera por uma canção diferente, será? Atrás de um sentimentalismo incondicional, estava ali alguém que era fácil esquecer, até que fosse embora de vez. Ela não era forte, pelo contrário, era fraca demais e se satisfazia com o pouco que lhe era dado. Sua coragem de virar as costas pro mundo sumia toda vez que uma pessoa pegava em seu ombro e dizia pra ficar. Fique mais um pouco. Ela por um instante esquecia do seu desgaste interior e ficava e alimentava aquele monstro que tinha fome da sua presença, que quando se via longe, mordia com força lá dentro pedindo por mais doses de você, aquele pedaço de carne que ela não podia roubar. Falou certa vez para esse alguém que era de uma segunda pessoa, que ali ela repousava uma paixão imensa. Ela disse “eu quero você perto de mim, sempre”. Estava na cara que nunca havia pronunciado aquelas palavras antes. Ela afastou um pouco aquela imagem para não se ver diante da vergonha. Não olhou nos olhos. Ela não olhava nos olhos, um tipo de timidez alternativa, que se olhasse, isso a denunciava e ela prezava sua lucidez. E perdia, a timidez e a lucidez, bastava pisar em solo desconhecido. Nessa de brincar de dizer a verdade, se fez ali uma barreira que causou exaustão por criar laços ilusórios com as pessoas e direta ou indiretamente receber nada em troca. Ela entendia que o mundo às vezes não cabia as possibilidades em que ansiava, mas sufocava, fragilizava, essas coisas, essa impossibilidades da vida. De tanto colecionar experiências, acumulou uma carência gigantesca de base, de conforto, de alianças simples que não façam o mundo cair sob sua cabeça. Ela não guarda, nem aprende nunca. Acumula. E nunca conta pra ninguém. Sente e é tomada de pudor dentro da própria realidade, não esquece fácil e esse é seu maior pecado. 


Would you leave me if I told you what I've done? 
And would you leave me if I told you what I've become? 
'Cause it's so easy to say it to a crowd 
But it's so hard, my love, to say it to you out loud

sábado, 21 de abril de 2012

Entoando velhas notas

Essa é provavelmente mais uma dessas cartas que depois de uns rabiscos vou amassar e jogar contra a parede. Eu não queria te atormentar mais, sabe-se lá como vem sendo sua vida nesse último ano, e nos outros dois passados, o que me alivia é poder descontar toda a minha tristeza em mim mesma de forma que me convença que lá no fundo você sabe o que está se passando. No fundo você sabe. O que não dá pra entender é como nós nunca nos cansamos de jogar esse jogo de farsas e silêncio mútuo desses que quando o frio aperta, bate feito soco no estômago.
Estou condenada a viver achando resquícios do passado em toda esquina por onde passamos, em todo verso solto talhado como que para assombrar ainda mais meus dias achando que cada passo meu é assim por uma razão e que quando coloco na minha cabeça que tem a ver com você, nada é por acaso. Sempre fui daquelas que se confortam na própria imaginação e prefere o mundo raso dos sonhos a acreditar que algumas coisas são realmente de verdade. É mais fácil me guiar por caminhos que nós já traçamos, sem muitos esclarecimentos se já passou ou ainda é apenas cedo demais pra saber, do que me jogar num mar inexplorado onde sei que não consigo nadar.
Engano meu achar que eu poderia ser a chave das respostas da sua vida. Estou condenada a servir de reserva quando sua ignição der prego. Essa é a hora em que você, até então distraído, quase que relaxado tragando uma fumaça do seu cigarro, se volta contra mim usando um tom grave e vocifera com urgência que eu sou uma louca desvairada que não sabe viver sem ter sua dose diária de atenção e que eu não faço a mínima do que é ser esquecida quando o que se mais precisa é de um abraço que te faça esquecer o resto do mundo. Pois eu sei. Sei muito bem a sensação de não ser sempre a primeira, lição dada, graças a você. Nunca vou te perdoar por ter me ensinado isso do jeito mais amargo, me deixando uma viciada em solidão, já que todo o resto me leva a essa estrada direcionada ao mesmo beco sem saída.
Venho buscando alternativas, me metendo em relações tão perigosas quanto, contando a história da minha vida para o primeiro que aparece perdendo seu tempo dando-me um pouco de atenção. O problema em eu me abrir demais pra alguém é que quando me dou conta do estrago, já estou à beira de um precipício, pronta pra pular. E eu me deixo sim, iludir por toda merda de traste que aparece.
Não sei o que fazer quando o que me faz forte é a mesma coisa que me mata aos poucos. Você foi meu porto seguro e isso reduz minhas chances a zero de ser salva já que entre nós só restou um monte de palavras não ditas e um distanciamento que não se explica nem em mil frases feitas que eu tentar fazer. Fico repetindo versos de canções pra ver se você volta ou mesmo escrevendo cartas que nunca serão enviadas, me perdendo nas chances que eu deixei escapar. E tentando me convencer que esse tipo de distanciamento não se espera, se corre atrás. E não me convenço e não corro.





- Eu disse que a amo tanto, que até dói.

- Sim, tudo bem.

- Eu disse que dói... amar você.

sábado, 14 de abril de 2012

Uma contida reflexão

Outro dia entretida numa conversa despreocupada com uns amigos, daquele tipo que faz a gente rir e esquecer um pouco do peso da própria existência nesse mundo pregador de peças, uma senhora apareceu pedindo dinheiro para comprar remédio pro filho doente. Não sou muito do tipo que reflete sobre essas causas sociais perdidas ou bate boca por aí defendendo os direitos humanos. Mas sabe quando dói ver alguém uma situação visivelmente diferente e passando por dificuldades inimagináveis, esse tipo de coisa, que faz dos nossos problemas uma série de bobagem leviana? É, não tá fácil pra ninguém.
Acho que cansei de sofrer a minha dor e comecei a sentir a dor dos outros. Eu quis abraçar aquele acontecimento como quem tenta agarrar pra si algo que estar prestes a ir embora. Eu tive várias vezes esse sentimento de revolta com a injustiça que acerca todos os dias nossa vida e o fato de todo mundo achar normal ver uma velhinha pedindo dinheiro pra tentar salvar alguém importante pra ela. Quantas noites eu passei insone tentando expurgar de dentro de mim lembranças insolúveis de pessoas que eu julgava essenciais que não tiveram a decência de lutar por mais uma chance? Eu penso no que eu estaria disposta a fazer se a vida de algumas dessas pessoas tivessem em jogo.
Ninguém pensa nisso. Só quando vê de perto e por um momento de comoção pensa que o mundo poderia ser um lugar melhor se cada um, começando dali, fizesse sua parte. Não vou ser hipócrita, também faço parte do grupo dos acomodados de coração mole que se importam e nada fazem para acabar com esse estado de acomodação. Tapo o sol com a peneira e confesso que uma pilha de nervos me consome ao me deparar com gente o tempo todo reclamando da vida miserável que não tem.
Falta tempo, recurso e boa vontade. O sentimento fraqueja e convence a nós mesmos de que só isso já é o suficiente. A verdade é que compaixão nunca encheu barriga de ninguém, nem complacência basta para salvar uma vida. É preciso resgatar de lá do fundo o que está perdido. Uma tostada de coragem, já que não se pode salvar a si mesmo, que invista em algo mais e não dê por causa perdida o resto dos dias. Eu quero lembrar de pegar na mão da próxima vez que alguém virar as costas pra desistir, que se é pra afundar dentro desse mar agitado, que não seja pra navegar sozinha mais uma vez.