Você acabou de fechar a porta.
Dez minutos atrás você passava por ela, dava pra ver sua feição receosa e também as intenções que perpassavam de alguém que tinha muito a falar. Permaneci em silêncio fingindo indiferença enquanto em poucas palavras você puxava conversa fiada. Tive vontade de lhe dizer para ir direto ao ponto e o motivo de estar ali, mas por alguma razão me agradava sua presença.Motivo este, eu sabia exatamente qual era. E sabia também dos seus propósitos, sabia dos seus anseios em nos ter. Era ousado da sua parte e essa atenção me envaidecia. Não que eu gostasse, se sofria ou não, já não cabia a mim saber, mas a certeza que essas injúrias eram em vão e que o disco dessa discussão já ralou, isso sim cabia a mim saber.
Medo? Não sei. Alguma coisa impedia que a gente se comunicasse. Fraqueza da sua parte, orgulho da minha ou vice-versa. Talvez eu tenha sido a peça principal para criar essa barreira entre nós, esse lapso que impede que qualquer palavra seja dita ou que qualquer toque não pareça embaraçoso. Talvez você fique se perguntando como que a suavidade foi se perder assim.
E aí você se virou para ir embora, transpassando certa relutância na esperança de que eu pedisse pra ficar mais um pouco. Eu não pedi e você se desculpou por incomodar. Eu queria que ficasse, sem que eu pedisse, humildade nunca foi meu forte, mas aí de repente você parecia louco pra se livrar dali, da minha suposta negligência. Por qual motivo eu iria me sensibilizar com alguém que por descuido me deixou passar e nem se dar ao trabalho de fazer esforço para que eu volte?
Já a poucos passos da porta eu quis te pedir pra voltar. Em todos os sentidos. Mas me guardei, queria que essas palavras viessem da sua boca, apesar de saber que te faria feliz se eu as pronunciasse. Queria que nunca abrisse aquela porta para sair, mas os seus dedos já faziam o movimento para ir embora. Sei que me arrependeria, você também, não pela mesma causa. Você estaria arrependido por ter ido até minha casa, enfrentar o poço de ingratidão que sou, talvez concordemos nisso: pois também te acho um poço de ingratidão.
Depois de finalmente fechada à porta, fiquei imaginando a quantidade de nomes insultantes você estaria pronunciando agora a meu favor, me rogando mil pragas, não que eu não merecesse. E principalmente se insultando por ser tão absurdamente imbecil. Isso eu não merecia, eu não era digna da sua visita, e talvez estivesse mesmo certo em se ultrajar.
Uma vez perdida, a oportunidade dificilmente volta e se volta é um processo lento, mais do que minha paciência é capaz de suportar. É degradante e soa tão falso esses nossos encontros sem despedida, como se fosse “ah vai saber, um dia a gente se encontra de novo” e tanto faz. E esse tanto faz é o que mais soa falso, pelo menos pra mim. Não sei pra você.
