Custei a sair da cama hoje. Não fosse pela agonizante sensação de calor morno atemorizando minhas expectativas de um novo dia, eu talvez ficasse lá, com toda a fragilidade, com toda a angústia de dever não realizado, de promessa não cumprida. Um holofote mirando algum pobre coitado longe, um poste que dormiu aceso, os enfeites coloridos esquecidos no meio das ruas que amanheceram silenciosas depois de toda a extravagância da noite anterior.
É possível sentir daqui os vislumbres de mil almas acordando e se deparando com uma realidade não tão bonita quanto esperavam. O chão repleto de confetes, a garrafa de vodca vazia e corpos de mentira ao lado nas camas, tudo misturado ao vapor pesado de irrealidade e confusão noturna que ignora a luz do sol lá fora que tenta colocar nos eixos o estrago de pessoas que arriscaram tudo por um momento de loucura e felicidade passageira.
Aprecio a ideia de um novo, um novo risco, novos segundos de êxtase, uma nova sucessão de momentos contrapostos, nem que sejam apenas segundos. Embora eu negue que não me agrada, que minha mente navegue por oceanos mais rasos e calmos, é do novo e da fantasia que pertenço. A felicidade e eu costumávamos andar de braços dados, até que a vida começou a me empurrar de leve pro lado de fora da sombra das minhas fraquezas. Quando percebi, o caminho de volta era quase impossível de se chegar. Era necessário enfrentar obstáculos como culpa, medo e até meus sonhos entraram em jogo. Devo mesmo pôr tudo a perder por um segundo de insensatez? Repeti baixinho feito uma canção antiga de carnaval que exala saudade e recai sob meus ombros um peso de passado decorrente.
Hoje talvez faça falta. Ontem nem tanto, ontem só me deixou um gosto azedo na boca e trancou minha garganta que está seca até agora. Mas fevereiro... Ah, fevereiro sempre faz falta. Esse clima de festa, renovação e indiferença para o dever é o que mais me encanta nesse mês tão duro quanto amistoso. E quando fevereiro passar e levar com ele todas suas fantasias e derrubar todas as máscaras, não restará mais nada para se esconder. Tudo voltará a ser como antes, previsível, frio e com algumas rachaduras, feito uma tábua rasa.
Então o carro de som vai passar, pessoas infelizes dançando no ritmo da música vão passar, até o verão vai passar. A sujeira nas ruas e a purpurina vão sumir. Os brilhos falsos vão se apagar, restando apenas uma constante depreciação do velho amor abandonado, que esse não passa, fica igual uma torneira mal fechada pingando devagar pelo chão, montando trilhas disfarçadas de córregos infinitos. Eu vou passar por essa rua cinzenta quando as luzes se apagarem e os carros de som derem sua última faixa. Pisando em cigarro e lama, vou olhar mais adiante e ver que a escapatória é para a minha jaula a que chamam de futuro e mais uma vez vou olhar para trás.
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