terça-feira, 8 de novembro de 2011

Outra noite que eu erro o destino


Tenho medo de entender o que suas palavras querem me dizer. O significado que elas deixam transparecer me dá a sensação de estar entrando num apartamento que não é limpo há dias, onde o chão está repleto de vários restos de jornais, nas paredes fotografias velhas e manchadas, no ar um cheiro de livros mofados misturado a um aroma quente de café. É um ambiente cheio de pequenos resquícios de que ali habita um ser notoriamente abalado. Então fantasio. Fantasio o que querem dizer aquelas palavras parafraseadas. Devo distorcer todo o sentido, mas é inevitável. Eu não sei lidar com a sua complexidade. Vou mais afundo, sou só mais uma nesse turbilhão de almas perdidas na própria existência. Volto pra casa depois de um dia comum, um dia qualquer como todos os outros, acendo as luzes fracas do pequeno cômodo e sento na poltrona desgastada ainda sem tirar a roupa molhada de chuva. Ouço as gotas grossas caindo lá fora e meu coração dispara ao som de um trovão. O susto me faz desmerecer umas pontadas nauseantes de insatisfação. A constante da minha vida é algo que talvez necessite mesmo de um pouco de mudanças e inventar desamores parece a coisa ideal pra se sair da rotina. E permanecer com esse gosto azedo na boca, com o sentimento de que nada nunca acontece. E pensar no que já foi perdido e no pouco que resta a se perder. Não deve ser muito. Oh, mas quanta amargura! Quis levantar-me dali, sair daquela droga de poltrona, daquela droga de vida. Olhar além das cortinas encardidas, os carros na avenida passando depressa, jogando água nos pobres desafortunados na calçada. Não devem estar melhores que eu, presumo. Quero pedir meu jantar, mas compreensão ou qualquer coisa do gênero não está no cardápio. Sou péssima em conotações, talvez devesse mudar de restaurante. As luzes da cidade estão embaçadas e não se pode ver além. Os feixes que atravessam a janela são abstratos e refletem uma moldura meio insalubre dentro do apartamento, como se eu precisasse de mais obscuridade. Canso daquela imagem superficial das vidas que não a minha e lembro do wisky ao lado da minha cama, ou será que é mais vantagem diminuir a pilha de obrigações que pairam em cima da escrivaninha? Penso se tenho alguma carta pra responder, ninguém me envia nada há meses. Minha caixa de e-mail está vazia, se não cheia de futilidades. Tenho alguém pra ligar? Teria, se você atendesse meus telefonemas. Não que eu já tenha tentado, mas algo me diz que é melhor esperar uma ligação sua, que eu sei que nunca virá. Meu consolo é tentar decifrá-lo todos os dias, por isso tem sido dias iguais, na fuga de saber algo meio vago e totalmente incerto. Os trabalhos podem esperar, vou deixá-los de lado, mais uma vez. A minha saída, já sei, não estar em cumprir obrigações, eu não tenho nenhuma se não em tentar me salvar. O wisky me espera como uma terapia ao final de cada dia. Dias iguais. Há tempos venho esperando alguma mudança, como algo parecido com uma reviravolta, mas única reviravolta é aqui dentro da minha cabeça. Feixes de luzes ultrapassando minha retina, cheiro de mofo misturado ao wisky, o vento frio fazendo um barulho meio mórbido por entre as aberturas da janela mal fechada e sinto novamente vontade de te ligar, mas tenho medo do que suas palavras querem me dizer.

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