domingo, 21 de outubro de 2012

Songbird



And all at once 
It gets hard to take 
It gets hard to fake what i won't be 
'cause one of these days 
I'll be born and raised 
and it's such a waste to grow up lonely

[Play: Born and Raised - John Mayer]




Imagino a sensação de sentar numa varanda, fim de tarde, sol indo embora com os últimos vestígios de chuva. Imagino juntar algumas notas de violão e tocar, vento, brisa, sombra de árvore soprando uma melodia, mas eu não sei tocar violão. Então eu fiz tudo isso, reuni alguns sopros a minha própria intuição, acho que consegui tocar um versinho de gaita. Imagino como seria se eu soubesse tocar violão. De fato eu montaria uma cena mais cinematográfica, mas a perfeição nunca esteve no meu currículo. Se eu traçasse uma nota musical, se eu inventasse um verso, seria com base num sopro de gaita, borraria um papel com trechos de um blues antigos e ficaria satisfeita.
Quanto tempo eu já não perdi me chateando com minha incapacidade de atuar minha versão mais simples, menos peso no ar, mais voo de passarinho querendo se libertar. Quanto do que eu já deixei passar lutando... Espera, hoje não quero usar palavras muito duras como “lutando”. Então, nessa breve pausa, esqueci-me de onde quero chegar, ser pássaro em busca de libertação nunca foi fácil. Talvez eu seja um canário, um beija-flor ou um daqueles mais escuros... Palavra dura novamente, escuro também não era onde eu queria chegar.
Retomando, talvez eu não seja um completo desperdício de tempo, talvez eu esteja buscando um caminho não tão claro em prol da minha causa, acho que era isso que eu queria dizer com “lutando”, era pela minha causa. Perdida, desesperançada, eu queria enxergar menos gaiola, menos prisão e sentir bons ventos em minha direção. Nunca fui boa com versos, mas acho que essa prosa está quase virando poema com tanta rima. É o medo despertando o melhor e o pior de mim, o medo de cortarem minhas asas, vivem cortando, podando galhos de árvore com meu ninho, ludibriando meu canto.
Ainda estou tentando descobrir os motivos por trás da minha aflição, mas hoje prometi não me complicar. É desafiador, até pra mim, não ser amarga, de novo e de novo escrevendo durezas e inexatidões, fazendo nó, curvas, quando tudo o que quero é seguir reto, numa direção exata. Moço me devolve a gaita, eu gosto de música que tem gaita no finalzinho, eu quero aprender o que eu gosto. Quando eu tiver um canto pra chamar de meu, um que não seja essa jaula de divagações complexas – a vida tem que ter um sentido, uma causa que não seja esse muro de complicações – criarei um peixe, quem sabe dois e darei nomes que não me leve de volta para os pensamentos de dentro da prisão, a gente tem essa mania de dar nome as coisas que nos fazem lembrar. Então eu regarei um jardim, dispensarei as flores cheias de espinhos.
Estou pensando em me mudar, abrir mão, promover o desapego, já diriam antigos amigos que tive. Tem uma vastidão pra voar, mas eu continuo me sentindo mais presa que nunca. Estou tentando chegar num ponto fatal aqui. Fatal é palavra dura, talvez eu coloque o “L” no meio da palavra e fique “falta”. Moço me dá a gaita, estou tentando chegar ao ponto que falta aqui.

sábado, 29 de setembro de 2012

Every teardrop is a waterfall

Naquele ano eu jamais pude imaginar que na minha vida surgiria uma coisa, algo, alguém que daria tão certo. É claro que o “certo” se restringe à certas particularidades, mas em geral quando eu não banco a “cuzuda” e quando você não precisa me olhar com esses olhinhos julgadores (que me matam, sério), tudo vai bem. A gente não pôde imaginar que daquele diálogo surgiria uma amizade assim, tão cravada, tão enraizada como a nossa. “Você gosta de Harry Potter?” “Gosto!” “Mentiraaaa! Vamos ser amigas pra sempre!”. Não foi bem assim, até porque o tempo alterou minhas lembranças e só o que guardei foi a essência da coisa mesmo. 
Posso dizer? Posso dizer? É que às vezes, nesse último ano que se passa, dá uma saudade que nem cabe. E veja só! Você já tem 18 e oficialmente já pode cuidar de mim, apesar de que idade nunca foi recurso pra que você o fizesse. Eu não sou tão boa em relembrar e muito menos descrever com aquela pitadinha mágica de sentimentalismo que só você tem. Mas aí me lembrei de uma carta que você me mandou uns anos atrás dizendo que quando a gente não sabe o que dizer, a gente conta uma história. 
A verdade é que eu já comecei contando uma história, uma bem divertida que ninguém vai entender, talvez nem nós duas. Uma vez você disse que tinha medo, que você achava não ser digna da minha amizade, sempre tão paranoica. Você me faz parecer A tranquilidade e a paz no paraíso, sabia? Só que eu nunca confiei tanto em alguém, nunca quis tanto que alguém não fosse pra longe, como você foi. Apesar de que a gente se abusa, mas como é mesmo? A gente se basta. 
O que você não sabe é que a sortuda sou eu em ter você, pequena Aluada, e não você por ter minha confiança. Acho que a sorte, de um jeito torto, vem favorecendo os dois lados da moeda e há de fazer muito mais, porque amizade como a nossa cruza as barreiras do tempo e nos torna cada vez mais suscetíveis aos projetos ainda não realizadas e quem sabe desbravaremos os sete mares e faremos aquela viagem doida. 

Posso dizer, agora em terceira pessoa, que ela é emoção. Ela que me faz rir mais da própria risada que da piada. Ela desaprova quando necessário e sabe entrar na onda. Deslocadas, nunca descoladas. Posso dizer que meus muros de concreto pra impedir que alguém entre, não são nada mais que barreiras transparentes, pois ela já desvendou tudo por meio de um bluetooth imaginário. Agora ela, ela é um mistério ainda a ser descoberto. De dentro pra fora. Nunca de fora pra dentro. Afinal, não há razão que resista a isso tudo. 

Uma vez que ela é a parte de mim que se mostra uma verdadeira criança com olhos brilhantes e agora, especialmente, uma mulher com os pés à frente no futuro, não há que se negar que ela vai longe, que ninguém a segura, nem mesmo os sonhos, embora que muitas vezes esfarelados, não a desestimulem a tentar de novo. Tem uma inteligência peculiar, ainda que odeie desde menina ser reconhecida SÓ por isso. Uma beleza que fascina desde a primeira olhada e só quem é bobo demais não perceberá isso. É preciso ter cuidado, não o cuidado tipo pisar em ovos, com ela você não deve limitar só a cautela, ela merece mais, merece a felicidade e o amor que sempre sonhou. Hoje é dia de pedir por isso e eu peço e vou além, que a proteção não te falte e ainda que o mundo te faça sofrer, você sempre tenha a quem recorrer, você tem a mim. 
Já deve ter percebido que tirei alguns trechos da sua carta do ano passado, só que agora os uso diretamente à destinatária. Foste a primeira a me dar aquele impulso básico pra começar a escrever, pobre de mim, apenas uma eterna caloura. Se nada der certo na medicina a gente vira escritora e vai pra Europa escrever uns livros e fumar uns narguilés num chalé na beira do mar. Não espero que você curta essa ideia, relaxa, já acostumei com as nossas incompatibilidades, que só servem mesmo pra nos completar, nunca pra concordar. 
Porém lembre-se que sua almofadinha vai estar aqui se precisar recostar a cabeça em algum lugar, pra rir, pra chorar pra bater – se quiser. Você sabe meu endereço, eu sei o seu e ainda posso a qualquer momento bater aí e dizer “vim pra ficar”, mas só pra te ver feliz, porque eu não te aguento! Brincadeira, não começa com as neuras, é mais fácil você me mandar embora aos berros. Mas ignorando meu completo humor de mau gosto, espero que você saiba que continuo aqui, ainda que de longe, torcendo e amando você da mesma forma. Foi brutal da parte do destino, levar você assim, porém certas coisas quando têm de permanecer, elas permanecem, você permaneceu e com certeza veio pra ficar.

domingo, 23 de setembro de 2012

Teatro dos desafetos



A razão é como uma equação
De matemática... tira a prática
De sermos... um pouco mais de nós!
Que o teu afeto me afetou é fato
Agora faça me um favor



Não pensar é uma matéria que venho estudando arduamente, mas que é, sobretudo, dificílima. Quando penso que repenso que tudo caminha para o lado contrário, será se acha, no fim, que talvez essa seja a maneira que a vida encontrou de me mostrar o que realmente importa? Eu não gosto do que é mostrado, eu faço de desentendida e inauguro todo dia uma definição de mim mesma para mostrar ao resto do mundo. Da realidade a utopia só existe um passo, dançamos? 
 Ontem o tempo esfriou, as coisas esfriaram e eu fiquei sentada boba alienada apreciando meu último suspiro gélido antes de me entregar, impensavelmente, para o mal. Quando falam sobre “mal”, impossível não pensar na cor, na ebriedade, no pedido de socorro. Impossível não se distrair ao mexer com fogo, eu me queimei. O ponteiro do relógio faz sua melodia constante e tediosa ao mesmo que meu coração faz engano, desengano, engano, des (...) até que ponto fingir ser algo que não sou pode me levar? Sozinhos nunca somos os mesmos pra nós assim como somos alguém diferente para cada um e é piegas, assim como o amor, tudo que tem a ver com a mentira, é piegas. É complicado se perder dentro de si e só se achar numa outra alma e ela nem saber disso. 
 Mas não adianta quanta ajuda seja oferecida, ou quanto seu coração ainda se predispor ao looping infinito da não correspondência, pois há quem diga que Drummond foi são e verdadeiro ao escrever Quadrilha, assim como há quem diga, por exemplo, que a primavera é a estação das flores. Já dei você tantas vezes como causa perdida que inevitavelmente perdeu o brilho, perdeu a confiança, se exauriu minha incontestável admiração, a única coisa que ficou foi essa sensação de lâmpada queimada, ferrugem, essa coisa torta a que chamam de Amor Obsoleto. 
 Hoje acordei chorando, mas sequer lembrei do sonho. Chorava com fervor, podia facilmente ser um pesadelo. Minha mãe pedia por mim, pude ouvir gritos desesperados e eu continuei sofrendo aquele pesadelo por um bom tempo. Não sei bem por que, mas deve ser mania da alma da gente se amargurar por não verdades e idolatrar a ilusão. Do mesmo jeito que você finge pra mim e ele finge pra você e assim por diante. 
Eu não tenho mais fé nem coragem de ainda jogar verdades duma maneira de te fazer perceber, porém eu mato o peixe pela boca, mas não fico engasgando esses meus discursos flagelados que repudiam toda essa farsa e ainda param e protestam pedindo mais. Chega a ser brutal a forma como reprimem uma antiga fera inconsolável com migalhas de pouco em pouco de dúvida a dúvida. Você acha que transborda, mas não preenche uma gota sequer.

sábado, 8 de setembro de 2012

(Im)previsto

Eu disse que não voltaria pra você, que não estaria lá por você. Mas, bom, foram tantas coisas que eu disse que não faria e fiz, tantas promessas que eu jurei não voltar atrás e voltei e me permiti navegar nesse mar mesmo sem saber nadar, me deixei afogar no silêncio das palavras não ditas e cair, cair fundo, direto pra tua vaidade, rumo ao-beco-sem-saída-que-você-diz-se-chamar-coração. 
 Disquei sem querer aquele número gravado na minha memória. Igual a você, impregnado, fatigando as madrugadas a fora e dizes sem saber o quê, mas te falta vergonha na cara tanto quanto por atender esta ligação impertinente no meio da noite. Tu me dás as chaves que preciso para engatar o meu senso sombrio, ou melhor, a minha falta de bom senso, o que falta para eu desatar esses nós que fazes e me provocas, garganta, estômago, não faz ideia do poder que possui sobre mim e me pisa e me possui mais do que a si mesmo e se entrega em camas e rostos e fantasias que diz amar, mas tudo o que queres é ser amado e o que tenho não te satisfaz uma gota sequer. 
 Se ainda te chamo agora é porque te preciso, se tu vens é por motivo que desconheço, pois nunca entendi suas idas e vindas, por vezes, simultâneas, que me confunde e me faz sedenta cada vez mais dessa tua água escassa que não deixa faltar, mas que não sacia. Mas se, por exemplo, tu me chamas, eu me demoro por orgulho, mas não aguento em vontade de correr para os teus braços que ora fecham ora se abrem a minha procura, porque não me deixar simplesmente ir? Afunda na tua paixão, na tua loucura e me liberta. Mas não me deixa, não me liberta desse laço, desse nó apertado que parece forca. 
 Quando baixo o tom meio enraivecida meio torpecida, quase que no intuito de ganhar por assim carícias ou a simples atenção fingida de perguntar se vai tudo bem. Mas não vai. Ao baixar o gancho do telefone, o cinzeiro já cheio, quero que já retorne a ligação e diga esqueceu do beijo de boa noite. Mas não liga. E se liga é por assim me prender mais ainda, sem me deixar uma única escapatória que consiga se desculpar da história toda eu-não-sou-sua-você-é-meu-portanto. Não me escreves por acaso, pois o papel é a lâmina, as palavras são as amarras que me seguram. Aproximo tentando fugir e desaponto-me e me doo por inteira. Do verbo doar, do verbo doer. Que espécie de encaixe sou na tua vida é um mistério, pois se não sou quem preferes conversar, muito menos com quem vai escutar seus velhos vinis e deitar-se contigo sobre o tapete da tua sala hoje à noite. Não sou dona das melhores palavras que te fazem dormir ou que te fazem alucinar. Não compartilho os teus devaneios nem nunca serei tua escolhida para tuas aventuras. Não tenho confiança no que dizes assim sem saber o quê, nem desfruto das tuas escolhas irracionais. Acho melhor admitir que não o conheço, afinal.


sábado, 4 de agosto de 2012

O último feixe de luz

Foi nesse início de Agosto que o tempo pareceu parar. Só que os segundos, minutos, horas, dias, semanas, no meu relógio de pilha fraca, no calendário de papel gasto preso na geladeira vazia da casa deserta, o tempo, não parava nunca de passar. Dentro da gaveta havia uma carta para Ana que jamais enviei. Um clichê inegável, faltava o pairar para a janela e ver a chuva caindo, mas não chovia fazia meses, o sol lá fora inundava o quarto de uma melancolia característica, o calor efervescente não combinava a frieza do momento nem à minha escolhida solidão em que tirei duma caixa de preferências para me ajudar a atravessar Agosto. Abri a gaveta para ler mais uma vez minhas palavras mal encaixadas dentro de uma parte daquilo que eu queria dizer. 

“Ana, 

eu não tenho artimanhas para me dirigir a algo que eu sequer sabia que tinha. Não, eu nunca tive e eu dizia. Parece que em voz alta tudo fica ou é mais real. Mas eu ando abafando entre as paredes desse quarto, abafando tanto, entre o refúgio que achei debaixo dos lençóis, dentro de tudo que eu queria dizer, mas que foge inexplicável ou se transforma ou se materializa em forma de decepção exacerbada, de esforço não reconhecido, em cansaço de sempre viver de metades, talvez eu tenha tido essa dificuldade em aceitar – que você pode chamar de coragem – e deixar pra lá, porque comigo sempre foi tudo ou foi nada, desisti dos seus meios termos e assumi a posição de nada na sua vida. Aceitei. Hoje parado sem muito o que fazer eu só posso dizer que sinto muito por você sentir tão pouco, pouco o suficiente para não preencher as lacunas que eu imaginava precisarem de você e da confiança que eu precisava depositar mas que você não foi capaz de conquistar. Não estou sendo ingrato, eu posso ter um dia confiado, posso em vários momentos, esses que a saudade chega a doer forte e lá no fundo, ter te feito peça essencial na minha vida, mas palavras, minha querida, palavras valem apenas no momento que são ditas e você escolheu a hora errada para dizê-las, mas quem sabe era tudo que eu precisava ouvir para me despertar e dar esse passo importantíssimo: parar o quanto antes. Eu não queria chegar a essa conclusão, me recusava, era mais do que eu, naquele momento, podia suportar, só que a verdade é, sobretudo, inegável, você se concretizou, você é indiferente a minha falta e capaz de sustentar uma vida toda nas costas do orgulho e dos seus parâmetros, Sua Base. Meu melhor amigo agora é um autor de livros tristes, porque perdi a quem procurar nesses dias chuvosos dentro da gente. E eu precisava. Te dizer que fingir que não estou nem aí pra você foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. Que me apunhala nas costas a dúvida, aquela que não me deixa ou não quer que eu acredite que você se foi pra valer ou se está enfrentando o mesmo dilema ou. E que não, eu não conseguiria. Encarar outra vez seus olhos de uma inocência fingida, de acusações pelos meus erros, sobrecaindo em mim toda a culpa do mundo. Encará-los não passa de uma vontade acovardada, medo de ser o primeiro a dizer, ou pior, o único a dizer." 

Ventava forte no parque. Atravessei distraído aqueles campos de girassóis abertos, pareciam satisfeitos com a intensidade do sol naquela tarde triste de sábado. Eu não saía de casa havia um bom tempo, eu não arriscava abandonar o sofá, os discos, cigarros e vodca, o cachorro velho, o cactus que deixei morrer. A claridade ali meio que me assombrava. Num banco logo a minha frente estava Ana. Ela não parecia ter reparado em mim ou simplesmente ignorava ou devia pensar que era apenas um desconhecido passando e na realidade eu era. Mas eu não me intimidei como de costume, fiquei parado olhando, suas faces relaxadas, estava bem, entregue a uma paz que não, eu não compartilhava. Tinha flores na mão, mas não eram girassóis, outros tipos de flores que eu não soube reconhecer. Na outra mão, eu também não tinha certeza, segurava firmemente o conforto dos seus sonhos, o que sempre desejou num mundinho que era só seu e que eu percebi, não havia mais espaço pra mim. E quando eu acenei, incontido, esperei que ela virasse, mas ela não virou. Quando chamei seu nome, esperei que ela olhasse, mas ela não olhou. Continuei esperando que ela sorrisse e corresse para me abraçar, mas ela não me via, não virava, não sorria, sorriso costumeiro, não corria em minha direção.

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O mal que não tem raiz

Eu sei que tudo isso é um pouco difícil de processar, minha querida, mas preste bem atenção: o errado nessa história o tempo todo fui eu. Sim, já tivemos essa conversa antes, eu confessei muito do que estava preso em mim, mas nunca pude te encarar face a face e dizer aquilo que eu sempre quis dizer, mas é uma dessas coisas que ficam dentro da gente, mastigando e que engasga depois de engolido. Você provavelmente já deve saber, me conhece tão bem, mas sabe que a atitude mais correta a fazer é fingir não sentir o fogo queimando entre os vértices dos nossos sentimentos antes que nos transformemos de vez em cinzas. Naquele dia, e alguns que o antecederam, eu mal pude respirar. Porque é normal se sentir apagado de vez em quando, mas você tem esse dom de me reacender em dias de pouco sol, de me aquecer quando faz frio lá fora. Sua presença, descobri ser um vício incontrolável, algo pouco saudável porque apesar de palavras cheias de juras, eu jamais pude competir com a sua outra metade que não me amava, jamais pude me acostumar a esse nosso relacionamento unilateral. Você já pensou na força que uma pessoa fragilizada pode ter? Viver de migalhas não alimenta um homem sedento de atenção, possuir metades ao invés de por inteiro leva a ações bruscas, porém jamais sem antes terem sido provocadas. Você me seduziu para um túnel sem saída, coração, e por mais que você seja novo, maduro e reinventado, você continua indo parar na mesma ratoeira, atraído por sobras que algum rostinho bonito te deu. Hoje jurei não procurar, não ligar, não deixar mensagens na sua caixa de entrada. Hoje jurei esquecer seu endereço, me perder num bar qualquer, me embrenhar em solidão, achar alguém diferente que me faça esquecer. Hoje eu venci meu desafio, mas por que continuo me sentindo como se tivesse perdido? Talvez eu tenha deixado passar a parte de que você talvez desconheça, essa parte de mim que te ama perdidamente. Não, não só uma parte, essa é a diferença entre mim e você, porque você pensa que me enganando vai poder também se convencer de que foi só uma noite, que não vai mais acontecer. Eu fico arquitetando aqueles instantes para os meus dias intermináveis e eles se repetem até virar produto da minha imaginação. Mas se você me conhece tão bem, deveria saber. Devo ter mesmo estragado tudo, nossa relação, clara, limpa, meio sem vergonha e mais uma pitada de desejo no meio, só podia mesmo dar nisso, você sabe o quê. Quando costumava me procurar, pra contar cada parte do seu dia e pra dizer como estava decepcionada com eles, com ele, eu sofria com você por eles, por ele. Então você parou, e eu passei a te procurar só porque você não me procurava, ligar só porque você não me ligava, amar só porque você não. Preciso de motivos? Está na cara que sim, não é simples se conformar que tenhamos perdido aquilo que cresceu tão sem controle dentro de mim, algo que eu sabia desde o início que ia acabar daquele jeito, mal. Vem aqui me dizer o que quer com essa palavra “acabar” que meu coração não aprendeu a traduzir. Abre de vez esse jogo e toma uma decisão antes que eu o faça e todas as partes saiam perdendo. Acredite, eu sei me retirar quando chega a hora, percebo quando não dá mais pra mim. Seja lá quem for o culpado, nós dois vamos carregar o fardo, esse arrependimento que já posso ver nos seus olhos agora. Leia de novo nossas conversas, lembre-se das promessas que você não cumpriu, grave bem o quanto você me elevou para o topo das suas prioridades para depois me empurrar ladeira abaixo. Não me venha com discursos falso-moralistas de que eu só lembrava quando você esquecia, estive do seu lado quando tudo desmoronava sob sua cabeça e até você reconhece isso. Dê-me logo a desculpa que preciso para dar um basta nisso. Desencantou, o amor que você pensava ter acabou, e que eu posso me esquentar com outros corpos, me lamuriar da vida na companhia de outras, conseguir um novo motivo para escrever e até arranjar um relacionamento real e não essa mentira que estamos vivendo nos últimos meses. Então eu paro e penso, tão mesquinha, tão meio termo, tão vítima da própria existência, você não é tão santa quanto gostaria de ser e nem tão diabólica quanto pensa que é. No jeito que me paga de surpresa, desprevenido e sempre pronto para dar o braço a torcer. Caio nessa armadilha sem volta, um masoquista que atende às suas fantasias promíscuas. Isso soa maquiavélico suficiente pra você? Eu que sou fraco demais para reagir, pois toda vez que olho olhar de menino abandonado, cachorro sem dono, é você quem está lá para me salvar, pra impedir que eu me torture da dor que você mesma causa. É que quando eu não estava bem, era sempre a você que eu recorria, e agora que eu não estou bem por causa de você, não sei mais quem procurar. 

 Whatever happens tomorrow, we've had today.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

No divã

Tenho sérios desvios de comportamento, doutora, sei que você ouve coisas do tipo todos os dias, mas eu só soube começar se fosse assim. Isso, conserte a postura, talvez você se canse um pouco, acontece que eu ando meio assim ultimamente, como se todos estivessem cansados, fadados da minha presença. Sabe como é? Sentir que está ocupando um espaço imenso e ao mesmo tempo se sentir minúsculo dentro da própria existência? É confuso, nem sei dizer ao certo até que ponto isso é real ou simplesmente produto da minha imaginação. Acontece que eu sou muito inventiva, doutora. Conheço dezenas de pessoas, reais, até certo ponto, algumas delas me enlouquecem de verdade, mas não são elas, é uma projeção, que de certo eu que criei. Não, não aposto na carência, sou muito autossuficiente, porém sofro de transtornos de realidade, eu não confio em gente. Sim, qualquer coisa que se mova, que fale minha língua, que tenha essa capacidade de me consumir por dentro, eu não confio. Insegurança? Provavelmente, doutora, é um caso a se pensar, não faço ideia de onde vem isso, eu costumava ser mais decidida e determinada, lutar pelo que quero, mas ando tão desfocada, longe de onde meus pés firmam e não faço nada para mudar isso, deixo só a mercê dos outros, que passam apressados na rua e me empurram de um lado para outro me deslocando do centro até que eu fique isolada, largada e finalmente esquecida. Se tenho muitos arrependimentos? Ora, a maioria dos que eu deveria ter não tenho. Sinto culpa, o tempo todo por coisas que fiz, pelos estragos que causei, mas arrependimento mesmo? Deus que me perdoe, tem vezes que me pego pensando no monte de estupidez que fiz e morro querendo voltar praquele lugar, praquela pessoa só pra ter aperfeiçoado mais o momento. Talvez seja essa a definição mais exata que consegui até agora: aperfeiçoar o que já está errado para diminuir o arrependimento e aumentar a culpa mais ainda. Eu sei, doutora, estou dando nós desnecessários na minha cabeça, e você já deve estar cheia da minha falta de clareza, vou tentar ser um pouco mais objetiva. Deve ser masoquismo, pra dizer o mínimo, fico triste por vício, assisto de arquibancada o que me mata de ciúmes e nem pisco o olho, pelo contrário, finjo cínica que está tudo bem ao mesmo que por dentro está tudo desmoronando. Entende? Eu não preciso de exército nem armas para começar uma guerra, basta um litro de vodca, um coração em pedaços e a solidão do meu quarto. Às vezes eu até assisto um filme, só que não ligo a TV, deixo as cenas de horror passarem aqui dentro mesmo, sinto medo, falta e uma tristeza que ninguém dá jeito, ninguém exceto quem causou essa anarquia. O problema da dor é que você quer ser consolado por quem te machucou. Você acredita mesmo nisso? Que existem pessoas desesperadas por atenção? Existem, mas essas pobres almas sempre esperam a atenção de alguém específico, no meu caso, esse alguém tem nome, endereço e uma lista de coisas que deixaram a desejar, uma pilha de cartas e promessas falsas, uma mudança no quadro geral da minha rotina. Está dizendo que chegamos ao ponto x? Pois digo que tenho várias dessas incógnitas que não foram solucionadas na minha vida e sinto que esta é mais uma e a mais problemática de todas. É, doutora, uma bomba relógio que não tem hora marcada para explodir. Eu estou adiantando o inevitável, é isso o que eu sempre faço, você está certa. Só que tem coisas, essas que crescem dentro da gente, criam raiz e que se tornam impossíveis de serem arrancadas. Sei que estou tampando o sol com uma peneira, me dividindo entre o seguir em frente e fingir que está tudo bem e arriscar mais ainda a satisfazer meu desejo doentio de querer o que está fora do meu alcance. Acontece que optei pela segunda opção e arruinei tudo, comi o fruto proibido e estou eternamente condenada a viver no inferno que eu mesma criei. Eu poderia ter permanecido com a minha lucidez, doutora, mas a realidade não me atrai. Prefiro continuar nesse toma lá da cá do que tomar uma decisão, sim, talvez eu seja uma indecisa por natureza, já mencionamos isso, mas daí admitir o que eu sinto? Seria me autoviolar, não? Acho que estou sujeita a viver de relações unilaterais, de me provar uma louca, promíscua que coloca tudo a perder e não pensa direito. Onde acha cura pra isso? Pra qual lado eu vou se eu quiser correr atrás? É, doutora, acho que encrenquei você.

domingo, 24 de junho de 2012

Não olhe agora

(...) estou olhando pra você.

As vozes na minha cabeça pediam para que eu parasse. Estúpida, alienada, masoquista. Eu não queria deixar minha mão escorregar da sua, meus dedos percorriam cada canto seu como quem maneja uma obra prima e os cheiros me submetiam a uma estranha calmaria, dessas que o coração palpita até a batida chegar surda aos ouvidos, mas que me faz sentir uma momentânea paz. Você sorri tímido da minha falta de jeito e eu estou no céu novamente. É pretensioso da minha parte me envolver em um sonho tão abastardo. Aquilo que me tira dos eixos, que me faz caminhar em areia movediça e ainda sorrir quando está afundando. Eu não pude dormir hoje sem antes dizer aquelas palavras, peço que desculpe as minhas atitudes impensadas. Não gosto de me sentir emocional, é como se uma boa parte de mim fosse levada pelo vento e não restasse segurança alguma firmando meus pés no chão, ali, vulnerável, pronta para ser sua, gato e sapato, esquecida da real faixa em que seus pensamentos flutuam. Com quem eu estou brincando? A realidade me dói como um tapa e o meu silêncio nunca perdurou tanto. Já não posso mais competir com seu amor. Um jogo de laços findados, uma dança incoerente com troca de pares e passos improvisados que nunca parecem se encontrar, eu não quero participar mais. Só quem sai perdendo sou eu, sempre. Você é uma esperança que nasce por um único feixe de brilho falso e depois vira, todo holofote, na direção contrária e eu fico aqui na única e exclusiva intenção de assistir seu show. Você diz que o meu problema é achar que nada nunca é suficiente, só que a verdade machuca. O meu problema está na imprecisão com que você me trata e do pouco caso. Às vezes penso se você não sabe ou é porque não faz mesmo questão. Vê? A manhã está cinzenta, faz frio lá fora e aqui dentro também. Eu queria poder dizer em palavras claras, feias, porém sem resquícios de dúvidas. Não está cabendo mais ter que me esconder atrás da sua felicidade e fingir que estou participando dela. Deixei tudo isso ir longe demais. Sei que você me entende, não me leve a mal, eu também não quero você. Parece rejeição e quem dera fosse simples assim. Cada vez que fecho o olho a sua imagem é a minha maior defesa bem como uma retaguarda. É como se me tocasse a suavidade dos gestos e das suas feições tentando contar alguma piada sem graça que me fará rir de qualquer maneira e beijos que de tantas idas e vindas eu já enquadrei no espaço menos vívido da minha memória. Nós somos um exemplo perfeito de romance não realizado antes mesmo de acontecer. Nós adormecemos na vontade um do outro, em que impera a negação, o justo fato de aquilo tudo ser uma ilusão. A sua atenção é que nunca é suficiente pra mim. Eu não suporto estar tão perto e distante ao mesmo tempo e ter que conviver com os vieses da sua vida. A sua paixão invencível por quem realmente merece, o jeito como você escolhe tão bem a quem depositar confiança. Queria que você fosse mais errado, queria eu ser ter um pouco mais de razão nessa história, mas ambos sabemos que eu sou a única a não faz sentido algum. Não me agrada ser um segundo plano indispensável. Não me jogue contra a parede das suas inseguranças, não me use como instrumento de apoio para suas quedas. Não acalenta as palavras soadas ao pé do ouvido cheias de significadas e meros conteúdos vazios de autenticidade. Não está escrito em lugar algum como é difícil estar amarrado a uma impossibilidade.

terça-feira, 12 de junho de 2012

Reticências

Concluí que gostava mais da vida daquele jeito. Decepcionando mais do que era decepcionada, esperando menos do que era esperada, amando menos do que era amada. Só que nem sempre era assim. Uma ou duas conversas jogadas fora, olhar fixo no vão de entrada, ninguém nunca chegava. Só chegava ao ponto de saber que nada seria suficiente para suprimir aquele desejo de ser mais. 

- Uma boa dose de realidade.
Disseram. 

Ficou como uma dessas coisas que não foram, mas permaneceram assim como se tivessem sido. Entornava meu roteiro de encenações como uma canção que não cansa de repetir seu refrão. Sonhando mais do que podia, tentando achar sentido nas coisas mais do que era preciso, amando mais do que admitia. Você não se cansa de ser tão ensaiada, menina?

terça-feira, 1 de maio de 2012

O que sempre acontece, de viés

Amontoada de cartazes e garrafas vazias, meu cômodo é aquilo que se pode esperar de um frescor adequado para o meu momento distraído, numa estranha inadequação. Aliás, eu até tragaria um cigarro agora, para dar um ar mais distraído. Atravesso de novo e de novo aquela velha avenida, vou ouvir um rock brega naquele bar de sempre, invento o meu segredo. Ele chama o garçom, pede mais uma rodada e eu me disperso na curiosidade de saber onde aquilo vai dar. Na minha já aceita condição de “outra”, concordo ficar mais um pouco, já não tenho receio nem uma gota de dignidade. Se meu julgamento final for dentro da minha cabeça, estou eternamente condenada. A fraqueza não me deixa reagir e eu recaio aonde quer que os braços dele apontem, isso é verdade. Invento desculpas pra mim e pra ele de porque eu não vou embora, minto que preferia estar em qualquer outro lugar. Atenho-me a necessidade de dizer o que não deve ser em alguma hipótese dito, não por mero pudor, mas por aquilo tudo já ser um assunto morto enterrado e que ninguém ali iria dançar depois da música já ter terminado. Enquanto isso, ele tenta descobrir meus segredos, por que razões não sei. Pode ser por verdadeiro interesse em desvendar essa minha alma que erra em sentir ou apenas para me ganhar com seus falsos encantos e ter alguém para esquentar sua cama hoje à noite. Claro que ele pode escolher algumas amandas ou letícias por aí, e a dúvida é que me prende àquela cadeira em sua frente enquanto ele conta qualquer história sem valor e enche sem medo meu copo de mais vinho. Estou um pouco ébria e sei que meu segredo é mentir desesperadamente que não gosto dele. Como se não aliviasse um pouco o peso do mundo estar ali desfrutando daquela companhia, como se minha vontade não fosse de que ele surpreendesse com qualquer gesto brusco que me tirasse o fôlego. Gosto do jeito dele ignorar o celular tocando, mas sei quem o procura e isso me traz de volta a realidade. Estou tomando proveito de rédeas alheias em que não posso controlar. Será o vinho? E me aborreço por vício. Congelo de ciúmes e a primeira reação é o silêncio. Depois a súbita ameaça de ir embora. A minha insegurança o faz rir e dizer que não passo de uma menina boba. Não passo de uma menina boba, angustiada, de punho e mãos fracas que não sabe tocar seu coração nem desatar seus nós. A história se repete. Uma semana sendo amante de meninas, mulheres, amando-as, despenteando cabelos e sentimentos. Toda essa voracidade vem parar sempre no mesmo porto. Uma sexta-feira cinzenta, com uma estranha conhecida, que pensa que conhece, mas não a vê. Uma noite de música velha e vapores de bebidas baratas, caminhadas ao vento frio noturno sob calçadas enlameadas de fumo, resquício de chuva e buracos. Ele canta uma canção que me toca e envolve. Uma canção que quase me faz acreditar e aceitar que o amo, mesmo em toda informalidade existente ali naquele pequeno espaço entre nós dois. De repente sou tomada pela esquisita satisfação de estar onde queria estar. Ele me tocando, eu acoberta de um abraço que me dá a sensação de ser de verdade, aquilo, aquela confusão. Fui seduzida de novo para aquela ratoeira e me deixo enganar. Estou esperando a qualquer momento uma renúncia, mas ele não me machuca, ele continua me fazendo crer naquela realidade inventada. Permanece me suportando, não recusa o abraço. Eu sinto uma febre, medo e me vejo apática. Ele finge que acredita, mas não solta, não alivia essa corda envolta do meu pescoço e demonstra indisposto a me deixar ir. Dessa vez sou eu que finjo que acredito. Sorrio meio exagerada, o álcool e todo o resto já me subiu a cabeça. Vou embora, esqueço o celular desligado dentro da bolsa, perco as chaves de casa, abandono a cidade e percebo que não queria te deixar sem antes te dizer tudo isso. Que nem eu sei. Encontro ele vazio, olhar distante na janela do meu quarto. A batida violenta da porta deve tê-lo chamado atenção, pois ele se virou pra mim ao mesmo que eu encarava o chão numa tensão, uma exustão imensa. A indecisão de não saber se queria sair fugindo daquele inverno que se fez no meu cômodo ou de ficar e vê-lo incendiar o que ainda me sobrava, amansar uma antiga fera com beijos enternecidos. Eu não queria estar em outro lugar, imagino o final daquela noite em complacente perfeição e tomo a última taça de vinho num gole só. O peixe morre pela boca.

sábado, 28 de abril de 2012

A terceira pessoa

Ela é sua colega de classe, e dependendo pra onde você olha, ela é em parte uma total desconhecida, personagem principal da mais incrível história do seu verão passado. Ela é amante disfarçada de amiga e pode ser o contrário também. Um medo comum em que se tem ao conhecer essa pequena criatura imprevisível e ao mesmo tempo encantadoramente perdida é de que ela saia caminhando entre as pessoas a cada piscar de olhos, a cada mera distração. Ela some. Por que ela insiste em omitir sua vontade? Por que não se cansa de dançar no ritmo da música se nem ela gosta daquele som enjoativo que amolece os sentidos? Espera por uma canção diferente, será? Atrás de um sentimentalismo incondicional, estava ali alguém que era fácil esquecer, até que fosse embora de vez. Ela não era forte, pelo contrário, era fraca demais e se satisfazia com o pouco que lhe era dado. Sua coragem de virar as costas pro mundo sumia toda vez que uma pessoa pegava em seu ombro e dizia pra ficar. Fique mais um pouco. Ela por um instante esquecia do seu desgaste interior e ficava e alimentava aquele monstro que tinha fome da sua presença, que quando se via longe, mordia com força lá dentro pedindo por mais doses de você, aquele pedaço de carne que ela não podia roubar. Falou certa vez para esse alguém que era de uma segunda pessoa, que ali ela repousava uma paixão imensa. Ela disse “eu quero você perto de mim, sempre”. Estava na cara que nunca havia pronunciado aquelas palavras antes. Ela afastou um pouco aquela imagem para não se ver diante da vergonha. Não olhou nos olhos. Ela não olhava nos olhos, um tipo de timidez alternativa, que se olhasse, isso a denunciava e ela prezava sua lucidez. E perdia, a timidez e a lucidez, bastava pisar em solo desconhecido. Nessa de brincar de dizer a verdade, se fez ali uma barreira que causou exaustão por criar laços ilusórios com as pessoas e direta ou indiretamente receber nada em troca. Ela entendia que o mundo às vezes não cabia as possibilidades em que ansiava, mas sufocava, fragilizava, essas coisas, essa impossibilidades da vida. De tanto colecionar experiências, acumulou uma carência gigantesca de base, de conforto, de alianças simples que não façam o mundo cair sob sua cabeça. Ela não guarda, nem aprende nunca. Acumula. E nunca conta pra ninguém. Sente e é tomada de pudor dentro da própria realidade, não esquece fácil e esse é seu maior pecado. 


Would you leave me if I told you what I've done? 
And would you leave me if I told you what I've become? 
'Cause it's so easy to say it to a crowd 
But it's so hard, my love, to say it to you out loud

sábado, 21 de abril de 2012

Entoando velhas notas

Essa é provavelmente mais uma dessas cartas que depois de uns rabiscos vou amassar e jogar contra a parede. Eu não queria te atormentar mais, sabe-se lá como vem sendo sua vida nesse último ano, e nos outros dois passados, o que me alivia é poder descontar toda a minha tristeza em mim mesma de forma que me convença que lá no fundo você sabe o que está se passando. No fundo você sabe. O que não dá pra entender é como nós nunca nos cansamos de jogar esse jogo de farsas e silêncio mútuo desses que quando o frio aperta, bate feito soco no estômago.
Estou condenada a viver achando resquícios do passado em toda esquina por onde passamos, em todo verso solto talhado como que para assombrar ainda mais meus dias achando que cada passo meu é assim por uma razão e que quando coloco na minha cabeça que tem a ver com você, nada é por acaso. Sempre fui daquelas que se confortam na própria imaginação e prefere o mundo raso dos sonhos a acreditar que algumas coisas são realmente de verdade. É mais fácil me guiar por caminhos que nós já traçamos, sem muitos esclarecimentos se já passou ou ainda é apenas cedo demais pra saber, do que me jogar num mar inexplorado onde sei que não consigo nadar.
Engano meu achar que eu poderia ser a chave das respostas da sua vida. Estou condenada a servir de reserva quando sua ignição der prego. Essa é a hora em que você, até então distraído, quase que relaxado tragando uma fumaça do seu cigarro, se volta contra mim usando um tom grave e vocifera com urgência que eu sou uma louca desvairada que não sabe viver sem ter sua dose diária de atenção e que eu não faço a mínima do que é ser esquecida quando o que se mais precisa é de um abraço que te faça esquecer o resto do mundo. Pois eu sei. Sei muito bem a sensação de não ser sempre a primeira, lição dada, graças a você. Nunca vou te perdoar por ter me ensinado isso do jeito mais amargo, me deixando uma viciada em solidão, já que todo o resto me leva a essa estrada direcionada ao mesmo beco sem saída.
Venho buscando alternativas, me metendo em relações tão perigosas quanto, contando a história da minha vida para o primeiro que aparece perdendo seu tempo dando-me um pouco de atenção. O problema em eu me abrir demais pra alguém é que quando me dou conta do estrago, já estou à beira de um precipício, pronta pra pular. E eu me deixo sim, iludir por toda merda de traste que aparece.
Não sei o que fazer quando o que me faz forte é a mesma coisa que me mata aos poucos. Você foi meu porto seguro e isso reduz minhas chances a zero de ser salva já que entre nós só restou um monte de palavras não ditas e um distanciamento que não se explica nem em mil frases feitas que eu tentar fazer. Fico repetindo versos de canções pra ver se você volta ou mesmo escrevendo cartas que nunca serão enviadas, me perdendo nas chances que eu deixei escapar. E tentando me convencer que esse tipo de distanciamento não se espera, se corre atrás. E não me convenço e não corro.





- Eu disse que a amo tanto, que até dói.

- Sim, tudo bem.

- Eu disse que dói... amar você.

sábado, 14 de abril de 2012

Uma contida reflexão

Outro dia entretida numa conversa despreocupada com uns amigos, daquele tipo que faz a gente rir e esquecer um pouco do peso da própria existência nesse mundo pregador de peças, uma senhora apareceu pedindo dinheiro para comprar remédio pro filho doente. Não sou muito do tipo que reflete sobre essas causas sociais perdidas ou bate boca por aí defendendo os direitos humanos. Mas sabe quando dói ver alguém uma situação visivelmente diferente e passando por dificuldades inimagináveis, esse tipo de coisa, que faz dos nossos problemas uma série de bobagem leviana? É, não tá fácil pra ninguém.
Acho que cansei de sofrer a minha dor e comecei a sentir a dor dos outros. Eu quis abraçar aquele acontecimento como quem tenta agarrar pra si algo que estar prestes a ir embora. Eu tive várias vezes esse sentimento de revolta com a injustiça que acerca todos os dias nossa vida e o fato de todo mundo achar normal ver uma velhinha pedindo dinheiro pra tentar salvar alguém importante pra ela. Quantas noites eu passei insone tentando expurgar de dentro de mim lembranças insolúveis de pessoas que eu julgava essenciais que não tiveram a decência de lutar por mais uma chance? Eu penso no que eu estaria disposta a fazer se a vida de algumas dessas pessoas tivessem em jogo.
Ninguém pensa nisso. Só quando vê de perto e por um momento de comoção pensa que o mundo poderia ser um lugar melhor se cada um, começando dali, fizesse sua parte. Não vou ser hipócrita, também faço parte do grupo dos acomodados de coração mole que se importam e nada fazem para acabar com esse estado de acomodação. Tapo o sol com a peneira e confesso que uma pilha de nervos me consome ao me deparar com gente o tempo todo reclamando da vida miserável que não tem.
Falta tempo, recurso e boa vontade. O sentimento fraqueja e convence a nós mesmos de que só isso já é o suficiente. A verdade é que compaixão nunca encheu barriga de ninguém, nem complacência basta para salvar uma vida. É preciso resgatar de lá do fundo o que está perdido. Uma tostada de coragem, já que não se pode salvar a si mesmo, que invista em algo mais e não dê por causa perdida o resto dos dias. Eu quero lembrar de pegar na mão da próxima vez que alguém virar as costas pra desistir, que se é pra afundar dentro desse mar agitado, que não seja pra navegar sozinha mais uma vez.

sábado, 31 de março de 2012

Na minha coleção de pedras

Vou começar a jogar pedras em todos que se puserem na minha frente mais uma vez tentando me subjugar, porque ameaçar não tá adiantando mais.
Todo mundo vive criando regras do tipo cunho recíproco, todos vivem na ilusão de serem um pouco melhores do que aquele rosto vazio que encara o espelho a cada manhã, depois que o despertador toca, como que um botão automático ativando a vida para mais um dia. Se diz bom dia para ser educado, quando lá no fundo está desejando que o mundo inteiro se exploda.
Não é assim? Se você não se encaixa, por favor, pule para a próxima página da web, eu não sigo padrões e nem dou risada por obrigação, o meu maior defeito talvez seja fazer apenas o que me dá vontade e medir esforços apenas por quem eu ache que mereça e às vezes nem merece.
A verdade é que me dá uma enorme preguiça de avaliar cada passo, vigiar cada palavra, como se eu fosse uma grande desocupada que vive de inventar farsas só porque é legal e é o que seria supostamente aceito por esse grande e ridículo círculo de pessoas que vivem ao meu redor, como urubus só esperando uma falha pra cair em cima.
Estou nessa não é por ingratidão nem por rancor exacerbado, porque até onde eu me lembre, ninguém nunca levantou um dedo por mim e pra ser sincera não estou esperando um grande milagre acontecer, acostumei com a vida assim, íngreme, doída, às vezes um pouco insólita, mas exatamente assim.
E vezenquando, eu perco o sono, rolo de um lado para outro ouvindo vozes inflamadas me dizerem que no ritmo em que ando afastando todos, vou acabar isolada, pairada diante da minha própria solidão. Não entendo como pode ser tão difícil perder-o-controle-da-situação e deixar-escapar-pelas-mãos essa corda que era pra guiar a gente pra um lugar melhor, para onde tudo fosse mais claro e a simplicidade não fosse coisa da imaginação.
Mas com tanta coisa na cabeça, é possível lembrar de ser um pouco mais de mim mesma?


[Try again - Keane]

sábado, 17 de março de 2012

Com que caminho eu vou

Sabe o que amedronta, pra valer, uma pessoa insegura? Possibilidades.
Possibilidade de reencontros, de encontrar-se. Possibilidade de dar certo, bem como a possibilidade de ter que encarar o duvidoso. Possibilidade de uma saída num sábado à noite, de um dia nublado no verão, de ser a última pessoa que alguém pense antes de dormir e não somente alguém que tapa buracos, da possibilidade de um novo ou velho amor, e ainda a possibilidade mais que absoluta de perceber o tempo fazendo seu trabalho de levar e trazer para nossa vida, mais e mais possibilidades.
Descobri um fato sobre mim que pode parecer bem banal, mas vez e outra me pego revirando uma caixa de discos antigos e virando goles do velho vinho barato da estante. Tenho uma afinidade incorrigível pelo errado. Tudo que não presta me fascina, tudo que é pá errada me seduz e eu piro só de ouvir a palavra “perigo”. Quando a situação parece sem controle e um fulano qualquer vem me avisar que achou uns pedaços da minha ingenuidade pra trás, eu afogo tudo que tem pra afogar, faço tudo que vou me arrepender até começar tudo de novo. Então aí entram as possibilidades e o tempo.
Havia muito, os discos abandonados, as cartas não mais enviadas e celulares desligados e esquecidos dentro da bolsa. A situação se converteu para o máximo que a indiferença já foi capaz de alcançar. Nem preciso dizer como às vezes essas coisas, esses desfechos prolongados da vida me assustam. Tão prolongados que quando se dá conta já está em outra, cometendo os mesmos erros de outros jeitos, com novos gestos talvez um discurso um pouco mais inteligente. Mas a essência é a mesma, o que fica e o que provoca, isso nunca muda. Parece que a nossa vida toda é programada para repetir o mesmo filme, só que em cenas diferentes. Isso acaba com a pessoa, principalmente para os inseguros, como nós. E eu, eu estou cansada de fazer esse papel que não é o principal nem o de figurante na vida das pessoas. Chega desse meio termo, ou sou tudo ou sou nada, decidido?
De qualquer forma, o outono está quase aí, uma chance, uma possibilidade de se deixar cair novamente para depois se reerguer. Quem sabe ensaiar uma nova farsa, explorar um pouco mais a introversão do meu mundinho vasto, de bichos ferozes e ervas daninhas. Ri da minha cara quem imagina o que se passa na minha cabeça a cada vez que eu observo, de longe, as felicidades alheias, os abraços que deixaram de me pertencer e às fotografias de vidas em que não sobrou mais espaço para mim. E aqueles que sabem, de fato, os anseios bobos, a minha mania de viver eternamente criando personagens fugitivos e loucamente imprevisíveis, na esperança de me corrigir. Esses, esses sim têm motivo de sobra parar rir da minha cara. 
Vez ou outra escuto uma voz: se permita, se deixa levar porque é por você, navega na própria loucura. Antes isso, que envelhecer dentro de si mesma deixando passar oportunidades. Deixando passar possibilidades. Mas e depois? Se eu me permitir, tudo o que consigo sentir é dor. Eu nunca vou estar um passo a frente do que é bom pra mim, e se houver uma chance, e aí, sou insegura demais, meus caminhos são mútuos e sinto uma paz inexplicável com a solidão, ainda que por vezes a deteste. São tempos difíceis para os inseguros. O que vem depois do verão? Não importa, o fim nada mais é do que uma possibilidade de recomeço.


sábado, 3 de março de 2012

Nos bastidores

Não se trata mais de uma solução. A questão não é simplesmente me dar por vencida, e deixar de ir à luta. O golpe fatal me atingiu, perderam-se as razões para que eu continue insistindo? O fato é que o tal do golpe fatal me coloca em saias justas todos os dias, de todas as maneiras possíveis. Eu finjo que acabou tudo até começar de novo. Eu não sou tão simplesmente limitada ao ponto de querer soluções para as minhas neuras e o eterno medo de encarar esse mundo, que por ser meu, é tão inteiramente complicado e cheio de falhas e perigos que nem eu sou capaz de enfrentar. Esse medo constante que me impede da tarefa árdua de querer ser um pouco mais corajosa, um pouco menos repreendida. É tanta roupa suja que precisa ser lavada, é tanto sentimento desconvexo solto no ar, é tanta fé depositada em juras rimadas a uma quase certeza de que, ah, nada vai dar certo.
Algumas pessoas são iguais aquela carne solta de uma unha que você roeu. Incomoda, mas você não arranca, porque dói. Eu já me conformei com a ideia de conviver com essa realidade de que, por mais exaustivamente que se tente tirar alguém da cabeça, isso não vai acontecer enquanto você não se permitir sofrer, não se deixar levar pelas ondas de calor ou de frio, não importa o tempo que faça lá fora. Por mais violentas que sejam essas ondas, é preciso enxergar que há algum equilíbrio, onde a dor e a satisfação andam de braços dados. No meio de toda essa confusão, eu aprendi que o primeiro passo para se libertar, é aceitar o problema.
Eu bem sei que minhas palavras não fazem mais sentido algum ao que quero transmitir. Era pra ser uma conversa civilizada, acabou se tornando dois corpos ocupando o mesmo espaço, contrariando todas as regras da física e da minha própria lista de regras de autodefesa. Era pra ser, de alguma forma, uma exercício de força que pudesse me ajudar a vencer minhas fraquezas, enfrentar a minha nova lucidez. Mas não. Eu sou menina, sofro de danos colaterais facilmente, sou frágil e não nasci pra encarar esse mundo sozinha. Tenho que ter alguém a quem segurar a mão. E nem sempre vou aceitar de bandeja ou muito menos perceber uma oportunidade que passa a frente desses meus olhos anestesiados de coisa fácil. Coisa fácil é brega, coisa fácil é simples, coisa fácil não existe e nem tem valor. Enquanto isso, ocupo minhas noites insones pensando em quem com certeza nunca vai reconhecer esse meu mais puro, talvez único, gesto de coragem: o de sempre estar no mesmo lugar e pronta para aqueles que talvez nunca fariam o mesmo por mim.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Apenas mais uma de amor

Devo dizer que eu não esperava e muito menos tinha a intenção de voltar a escrever pra alguém tão cedo. Peço desculpas por ser assim tão repentina, mas é que nunca fui de controlar meus impulsos. Sei que isso pode assustá-lo ou até mesmo criar uma impressão errada, mas eu precisava vir correndo pra casa e achar uma maneira de agradecer. Não sei quando vamos nos ver de novo, espero que em breve. Fazia tanto tempo que eu não me divertia com alguém. Vendo desse jeito parece que estou maluca, que acabei de virar alguns copos de bebida, só que pelo contrário. Eu poderia até tentar, pra ver se me dava coragem, porque empolgação não me falta. A vontade que tenho é de ir bater na sua porta e levar aquele vinho que você gostou naquela última noite. Pode parecer entranho o quanto for, mas gostaria que soubesse do bem que me fez, da vitalidade que vem me trazendo sua companhia. Coisa da minha imaginação? Pode até ser, mas não me importo nada, nadinha. Não me importo se não é assim com você, não me importo se você é dono de um jeito fechado e um comportamento tanto fascinante quanto misterioso. Não quero aproximação corriqueira e alas abertas pra decepção. Quero continuidade, quero nossas intimidades se tocando. Julgamentos? Fodam-se os julgamentos. Quero sentimento deslumbrado. A surpresa de um encontro e a espera de um novo dia. Quero respiração acelerada e camas bagunçadas. Demonstrações indiscretas de ciúme desesperado e desalento por não saber lidar com seu pouco caso. É isso que você me faz, menino bobo. Mas eu gosto. É bom ter essa insensatez, essa vontade solta de viver outra vez. Eu gosto de me sentir esse poço de mau caminho, e você, de ir fundo nele. É por isso que me sinto no dever ridículo de agradecer. Eu deveria? Soa mais como um pedido para que você não se perca. E se for se perder, que não seja de mim. Se for se perder, que seja comigo, que fique claro. 

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

As fantasias de fevereiro

Custei a sair da cama hoje. Não fosse pela agonizante sensação de calor morno atemorizando minhas expectativas de um novo dia, eu talvez ficasse lá, com toda a fragilidade, com toda a angústia de dever não realizado, de promessa não cumprida. Um holofote mirando algum pobre coitado longe, um poste que dormiu aceso, os enfeites coloridos esquecidos no meio das ruas que amanheceram silenciosas depois de toda a extravagância da noite anterior.
É possível sentir daqui os vislumbres de mil almas acordando e se deparando com uma realidade não tão bonita quanto esperavam. O chão repleto de confetes, a garrafa de vodca vazia e corpos de mentira ao lado nas camas, tudo misturado ao vapor pesado de irrealidade e confusão noturna que ignora a luz do sol lá fora que tenta colocar nos eixos o estrago de pessoas que arriscaram tudo por um momento de loucura e felicidade passageira.
Aprecio a ideia de um novo, um novo risco, novos segundos de êxtase, uma nova sucessão de momentos contrapostos, nem que sejam apenas segundos. Embora eu negue que não me agrada, que minha mente navegue por oceanos mais rasos e calmos, é do novo e da fantasia que pertenço. A felicidade e eu costumávamos andar de braços dados, até que a vida começou a me empurrar de leve pro lado de fora da sombra das minhas fraquezas. Quando percebi, o caminho de volta era quase impossível de se chegar. Era necessário enfrentar obstáculos como culpa, medo e até meus sonhos entraram em jogo. Devo mesmo pôr tudo a perder por um segundo de insensatez? Repeti baixinho feito uma canção antiga de carnaval que exala saudade e recai sob meus ombros um peso de passado decorrente.
Hoje talvez faça falta. Ontem nem tanto, ontem só me deixou um gosto azedo na boca e trancou minha garganta que está seca até agora. Mas fevereiro... Ah, fevereiro sempre faz falta. Esse clima de festa, renovação e indiferença para o dever é o que mais me encanta nesse mês tão duro quanto amistoso. E quando fevereiro passar e levar com ele todas suas fantasias e derrubar todas as máscaras, não restará mais nada para se esconder. Tudo voltará a ser como antes, previsível, frio e com algumas rachaduras, feito uma tábua rasa.
Então o carro de som vai passar, pessoas infelizes dançando no ritmo da música vão passar, até o verão vai passar. A sujeira nas ruas e a purpurina vão sumir. Os brilhos falsos vão se apagar, restando apenas uma constante depreciação do velho amor abandonado, que esse não passa, fica igual uma torneira mal fechada pingando devagar pelo chão, montando trilhas disfarçadas de córregos infinitos. Eu vou passar por essa rua cinzenta quando as luzes se apagarem e os carros de som derem sua última faixa. Pisando em cigarro e lama, vou olhar mais adiante e ver que a escapatória é para a minha jaula a que chamam de futuro e mais uma vez vou olhar para trás. 

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Laço tão apertado parece forca


Caminhando, tentando traçar alguma direção nessa estrada, a passos lentos, calmos, temendo apenas ao destino, nada mais assusta, se não o fim. Mas acaba que se acostuma e continua, não vai parar mas ops... Algo deu errado? Perdeu o rumo, minha filha, se intimidou com a realidade, estagnou?
Eu perdi um pouco desse ar poético que entrava e saía pelos poros e me cobria de uma vertigem meio doída, meio distante. Pés no chão, volto a repetir, menina, você tem que ter os pés no chão, se não você cai ou você voa. Volto a pensar nessas coisas que falam por si só, mesmo contra a vontade, elas chiam baixinho no ouvido e alimentam o inimigo da razão. E se.
E se os caminhos, aqueles que vivo comentando. E se eles fossem paralelos, e se nunca precisassem se cruzar ou quando se cruzassem não precisassem se desencontrar? E se amar fosse sinônimo de ficar junto e se sonhar fosse combustível suficiente para força de vontade? Novamente contrariando a minha própria regra. Novamente no mesmo dilema de achar que foi sem que tivesse sido, contorcendo a verdade, enfeitando a realidade e dramatizando minha vida mais do que nunca. Nem eu, nem você, nem nada nem ninguém foi essa coca cola toda.
Não me peça pra procurar se não quer ser achado, não plante mais dúvidas, eu tenho uma vida inteira para me ocupar. Não seja tão evasivo ao ponto de tirar a confiança que eu andei buscando esse tempo todo. Egoísta, sempre tão egoísta, pensando na própria dívida, nos seus problemas mal acabados. Saiba que eu nada mais tenho a ver com suas complicações, nem mesmo restou algo que dê sentido a suas desculpas, nada me restou desde.
Comprometi-me a não dar mais queixas, mas acabo por não resistir e sim, eu penso em você. Era isso que queria saber? Satisfaça seu ego, se encha de vaidade e depois corra para seus refúgios mais confortáveis, quentes e seguros. Era apenas uma prova? Esteja ela aí na bandeja, prato principal. Sirva-se.
No que eu estava falando mesmo? De repente entro nesses assuntos isoladas e perco o foco. E não pense que não é assim na vida real também. Comecei falando das inquietudes da minha mente, mas acabei retornando ao ponto x da questão. A grande incógnita, o grande “e se” da minha vida.
Eu quis tanto você do meu lado, eu lutei tanto para conseguir que acabei fazendo tudo ao contrário. Chega a ser engraçado o quanto é inútil continuar lutando, se não para voltar quanto mais para esquecer. Eu já entendi o recado: meu bem, não adianta. Quanto aos caminhos, isso eu nunca vou entender, mas seguir o oposto, talvez tenha sido a única saída.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Welcome to seventeen

Eventualmente imagino se não foi errado ter chegado até aqui com tão pouca tralha na bagagem. De vez em quando penso em acumular num potinho externo os afetos, desilusões e memórias. E quando eu estivesse pronta, pudesse jogar ele bem longe no meio de uma maré alta. Apesar do desejo imenso de ser feliz, é tão pouca a liberdade que me permito ter. Não sei quando criei esses limites, só que agora guardo com um estranho respeito essa obrigação que me restringe dos papeis que reinventei na esperança de, quem sabe, me livrar de todas essas amarras embrulhadas numa caixinha que tem escrita a palavra “responsabilidade”.
Estou escrevendo pela primeira nas últimas páginas do meu caderno novo, hoje nessa sexta, dia três de fevereiro às 15:43 no fim da aula de biologia – Calma, é só uma trégua. E é dessa forma e com esse pensamento que chego aos dezessete aninhos e como é que se diz mesmo? Que seja doce tudo que tiver de ser.

E acima de tudo: que seja melhor.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Um brinde antecipado ao terceirão

Eu queria demonstrar segurança, exibir o pique-de-ano-novo-e-dessa-vez-vai-ser-diferente, mas a animação para por aqui. Aliás, cadê essa animação? Ela nem chegou pra festa, que triste. Dá mesmo pra acreditar que é o último ano? A ficha ainda não caiu e eu estou desesperada para que caia logo se não vai ser igual às outras vezes e Deus sabe como eu desejo que isso não aconteça.
Queria começar não criando expectativas, mas se alguma vez alguém já conseguiu, por favor, me diga como, porque eu só sei pensar nas mil alternativas que existem que vão fazer eu me dar bem e ter muito sucesso e um final digno de contos de fadas. A diferença é que o meu príncipe são os livros, meu castelo é a faculdade e o vestibular é a bruxa má.
Tenho toda uma visão realista das coisas, sei da minha situação de aluna indecisa que não sabe se vai ou fica, sou extremamente desconfiada da educação que meus pais predispuseram a mim nesse finzinho de mundo e entendo também que tenho vários olhares me guiando aonde quer que essa trajetória de pré-vestibulanda vá me levar. Sem pressão.
O ponto é o seguinte: eu poderia morar em outro lugar, eu poderia escolher outro curso um pouquinho menos complicado ou poderia ter optado por ser uma patricinha riquinha frequentadora assídua de festas. Mas acontece que isso nunca esteve ao meu alcance. Então nasceu esse projeto mal acabado de dedicação que não é nada além de uma pessoa que sonha demais. Nunca fui uma aluna inteligente, me comprometo agora dizendo que sempre fui daquele tipo que se esforça bastante e faz um tipinho cdf, mas morre de preguiça de estudar. Comprometo-me novamente dizendo que esse tipinho está com os dias contados, a hora de ser de verdade e não somente tipinho já veio e a hora de correr atrás dos meus sonhos chegou faz tempo e eu nem percebi.
Esse é aquele momento que passam flashbacks na nossa cabeça e percebemos que a gente cresceu e nem se deu conta disso. Um passo para a faculdade e tudo isso só depende de nós mesmos. Será se ainda sobra espaço para aquela pessoa que te fez chegar até aqui? Antes de a escola ser vista com olhos frente ao futuro, antes das preciosas horas de sono, do comprometimento com pais, professores e até consigo mesmo. Têm vezes que eu nem me lembro daquela antiga pessoa e em outras é quase impossível enxergar o que vai ser dela. Desejo não me perder por um momento de desespero e continuar caminhando para cada vez mais perto daquilo que sempre busquei alcançar. Desejo, não só por mim, mas para todos que me acompanharam de verdade nessa trajetória, um desfecho merecedor, digno de futuros profissionais e que acima de tudo possamos comemorar satisfatoriamente a melhor formatura que nossa escola já viu.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Fantasias, devolvam minha vida


Entre essas paredes, sei que em cada cômodo desse apartamento já cansou de presenciar discursos mal narrados de uma apostadora sem fé, de alguém que por estupidez ou medo, deixa passar as milhares de possibilidades de felicidade que existem e se deixa enganar por um segundo de atenção. Quase dezessete anos e ainda não sei pra que rumo levar minha vida. Era fácil quando não era real, era simples quando não estava acontecendo. Tantos planos em pendente, tantos sonhos guardados e eu só aqui de cara pra essa porta que o mundo fechou na minha cara. É preciso recomeçar de algum lugar, é preciso de um ponto de partida, é preciso olhar mais a frente pra enxergar tudo que me espera.
Tem muita coisa que eu não aprendi e que, cá entre nós, têm coisas que nem eu faço mais questão de saber. Remexer em papeis passados, em fotos de fundo de gaveta me leva sempre ao mesmo lugar: um sofá velho com uma garrafa de wisky que alguém deixou aí e esqueceu de levar. Depois, quem sabe, uma volta noturna nas ruas lamacentas com gente sentada nas calçadas chorando por expectativas quebradas de um amor que não se cumpriu e fotografar na mente um chão transbordado de luxúria e cigarro. Comecei a gostar desses ambientes difamados. Achei uma solução não tão boa, diriam, mas eficiente. Não, meu senhor, não virei garota do mundo, tampouco uma revoltada sem causa. Extasiei, acho. Se não pela ausência, foi pelo excesso de dureza que sempre me faltou.
Quando sinto que a fome de certos gostos antigos passa, volto aos trilhos. Volto a sorrir e tratar os outros com uma mansidão incomum, um pouco energética demais, talvez, mas funciona na maioria das vezes, pelo menos aquela necessidade de manter longe o que mata minha solidão se foi. Se tem algo que eu quero manter distância agora é daquela pessoa que estava me acabando aos poucos, aquela velha intrusa que se apossou das minhas tristezas, dos meus amigos, dos meus amores, de mim. Aquela que me fez perder a cabeça por males desnecessários, que me fez apagar as luzes do mundo por um único brilho falso. Se existisse a possibilidade de escolha: continuar vivendo dentro de uma mentira ou deixar pra trás e ser feliz pra sempre?

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Dark days are over?

Tenho plena consciência das inquietudes da minha mente, do meu medo incorrigível do escuro e do descaso que trato minhas emoções, como se fossem descartáveis ou pudessem se renovar a cada novo incidente, como se cada vez que o humor dos outros sofressem uma alteração eu fosse obrigada a estar de acordo e aceitar de cabeça baixa. E eu aceito.
Perguntam onde está minha convicção, pra onde foi parar a porra do amor próprio e em que rumo se meteu a pessoa de pés no chão que conheciam. No lixo. Tudo o que eu fiz e fui, foi parar no lixo, é assim que ando me sentindo. Não importa o quanto eu tenha lutado contra esse alguém que não suporto e ao mesmo tempo não consigo me livrar, porque esse alguém aqui dentro de mim sempre retorna. Nada que eu faça, porque eu já tentei outros ambientes, outras músicas, outras tribos, outros para amar, mas algumas pessoas não sabem a hora certa de sair da nossa vida.
Fica martelando. Está estampado e escachado a forma como o sentimento vai, mas não volta. E fica no ar a questão de que estamos vivendo, mas a troco de quê? Eu queria tanto que pelo menos uma vez eu fosse a parte da história que amasse menos, que conseguisse se desligar por alguns momentos na intenção – ou na falta dela – de fazer alguém notar a existência do meu lado mais blasé. Queria parar de me recriar na expectativa de agradar a quem eu sei que apenas finge se dar conta ou que realmente já esqueceu.
Têm dias, desses que o telefone não toca e nem a campainha chama, esses dias frios vêm e vão com uma grande interrogação que muitas vezes não explica o motivo de eu ainda não ter enlouquecido por ser sozinha. Desejo o tempo todo poder depositar meu afeto e confiança naqueles que me dão reais razões para fazê-lo. E mais que isso, levar a sério a filosofia do desapego e pregar isso não só por ser uma farsa elegante que sustenta meu orgulho. Está mais do que na hora de colocar três palavrinhas mágicas no meu vocabulário sem graça “let it go” e unir, antes de mais nada, à outras duas que necessitam mesmo de superação: dark days. E de uma vez por todas colocar um fim pra deixar que só as lembranças boas ficassem. Como se só as más lembranças doessem. Mas assim como algumas canções, versos entalhados e semanas intermináveis, existem pessoas que já deram o que tinha que dar.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Palavras duras da noite

Esse não era bem o jeito que eu esperava começar meu ano. Ainda tenho comigo o pensamento de que lembrar você, escrever sobre você nunca me deu muita sorte, nunca me fez bem algum, especialmente agora, que querendo ou não, uma mudança no calendário renova a possibilidade de se ter mais, de querer mais e ter esperança no melhor. Eu tenho esperança, mas surge essa dúvida acabando com todas minhas chances de ter paz. Então questiono a você agora: defina o que é melhor pra mim. Sem sua presença, meus dias parecem fatiados. Um pedaço serve, outro nem tanto, outro deixa a desejar, alguns se destacam em meio a sorrisos improvisados e histórias amenas, que ganham um significado indiferente com um sabor de interesse forçado. Além do mais, eu nem sei mais o que dizer, você já tem todas as repostas, sabe o que estar por trás desses meus gestos cansados que já perderam o antigo exagero, já amorteceram a fúria constante e nem mesmo encontram palavras pra definir esse embaraço de frustrações revoltas e a vontade de querer seus braços ao meu redor de novo. Eu já entendo que nós dois talvez tenhamos aceitado que viramos vapor depois do incêndio. Só restou aquela fumaça meio embaçada, meio sem resposta, meio. Estarei logo indo embora, pensando mais uma vez que essa foi a última. A última vez que me odiarei por sua conta. Que insistir está sendo a pior das minha dores de cabeça, da minha insônia nauseante e desse pesadelo interminável. Embora a dor não lateje mais e que a falta sua não me impeça de seguir em frente, eu embarco nessas viagens ilusórias e é inevitável que eu sofra como se a ferida ainda estivesse lá, pulsando e flamejando na minha mente, envenenando os meus dias e pondo a perder tudo que eu construo na esperança de que eu ainda volte a ser eu mesma. Aquela que eu conseguia aturar, aquela que não buscava motivos para fraquejar, aquela que você costumava amar. Acho que se você soubesse, riria tanto da minha cara. Se soubesse desse meu apego ridículo por aquilo que nem se digna a prestar atenção nas minhas tentativas desesperadas de ser aceita ao indeciso. Das ameaças que eu mesma me faço no intuito de evitar confundir e plantar expectativas falsas ao iludido. Das encruzilhadas que vivo sonhando em me meter esperando a chance de topar com algo bom que vá contra as regras do resto do mundo. E nesse jogo o indeciso é você, o iludido sou eu e os encruzilhados somos nós.

"Mas aí lembrei, no meio da minha gargalhada, como eu queria contar essa história para você. E fiquei triste de novo."

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Flores no asfalto

"Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências: desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de coragem."


Se eu pudesse traduzir o momento de agora este seria um grande contraponto. Há muito tempo ando perdida nas minhas palavras, em minhas emoções, confusa em meio aos altos e baixos que a vida oferece. As horas correm, o coração dança no tic tac nervoso dessa melodia tanto encantadora quanto cruel chamada vida. Custo a acreditar que enquanto eu estou aqui no ápice, olhando de cima os horizontes que os últimos dias me permitiram enxergar, lá fora o mundo está acontecendo. Não que eu esteja fora da realidade, não é de sonho nem de loucura que estou falando, pelo contrário, estou plena e conscientemente lúcida, só que um pouco mais confiante, um pouco mais ilimitada, um pouco mais leve.
Não estou procurando nem esperando nada de ninguém, mas nem por isso deixei de ter esperança. Não é porque dei um salto à frente de tudo àquilo que me fez mal, que agora posso enfrentar tudo de pescoço erguido. Por favor, tenho direito de ser humana, tenho minhas fraquezas e sou insegura na maioria das vezes. A verdade é que eu só queria experimentar um pouco mais desse sabor de felicidade. De dias inteiros deitada numa rede, de correr na praia, de passar momentos bons e memoráveis ao lado das pessoas prezo. Queria desfrutar o quanto mais pudesse dessa doçura, que feito um milagre, refletiu e deu brilho nos meus dias, até então corriqueiros e enclausurados. Desse jeito bem clássico mesmo, porque eu pedi mudanças, mas a minha essência, a minha paz, eu não quero que se defira, desejo que dure enquanto for possível.
Depois de um tempo certas coisas começam a ficar bastante claras. A gente começa a notar que ainda pode se machucar, que a tempestade pode sim vir depois da bonança, começa a ter medo e isso não tem remédio que salve. A cura não é a simples menção de palavras que se gostaria de ouvir da pessoa certa, não é um plano que se vem pensado há tempos se concretize. Mudanças requerem força. Eu quis acreditar em mim, mas não se pode seguir traçando linhas perfeitas pra sempre. Vai haver um passo em falso, uma troca de amizade injusta, um ato de se fechar para o amor que não vai dar em nada. No fim das contas eu percebo de novo e de novo que a cura vem de dentro. De mim e somente de mim é que eu vou encontrar os motivos e descobrir minhas próprias carências.
Então por enquanto vou continuar dando tiro no escuro, tentando viver até a última gota, colocando a mão no fogo por quem não merece. A gente aprende, mas nada supera o gostinho de querer voltar a ser o que era antes. Sou frágil e me rendo à vontade de incorporar o meu ser, fazer o que der na telha e quebrar as regras que eu mesma estabeleci por medo de encarar a pessoa que me olha no espelho todos os dias.